terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Argonauta




No mundo marinho existem certas criaturas raras, os “Argonautas”, que não estão presos à sua concha. Na verdade, esta serve apenas como um berço para os filhotes. Esta imagem do argonauta me fascina. Pude ver sua moradia temporária apenas uma vez, como parte da coleção de um especialista.

Quase transparente, estriada levemente como uma coluna grega, essa concha é tão branca como um narciso silvestre; tem o peso de uma pluma, como alguns barcos de pesca antigos, prontos para partir em direção a mares desconhecidos. Li num livro que seu nome foi inspirado pelas naves mitológicas de Jasão, que saíram em busca do Velocino de Ouro. Os navegantes consideram essa concha como sinal de bom tempo e ventos favoráveis.

Uma imagem fascinante, para uma concha também fascinante! Seria esse símbolo de um outro estágio nos relacionamentos? Será que também nós, argonautas vividos, podemos superar o banco de ostras e aspirar à liberdade do Nautilus, que deixa sua concha e se lança ao mar aberto? Mas o que nos reserva o mar aberto? Não podemos acreditar que por sermos vividos, a vida venha nos trazer “bom tempo e ventos favoráveis”.

Quando falamos do argonauta, percebemos que não faz parte das conchas comuns. A concha lua, a dupla-aurora, o banco de ostras, estas são lugar-comum para a maioria das pessoas. Nós as conhecemos, sabemos algumas coisas sobre elas; fazem parte do nosso cotidiano e do cotidiano de outras pessoas à sua volta. Mas com essa nave rara e delicada, deixamos para trás as praias conhecidas de experiências e fatos comprovados. Estamos nos aventurando sem bússola pelos mares da imaginação.

Seria esse o “Velocino de Ouro” que nos aguarda, algum tipo de nova liberdade para o crescimento? E nessa liberdade, haveria lugar para um relacionamento? Acredito que, depois do banco de ostras, haja um espaço para o melhor dos relacionamentos: não o relacionamento limitado, único-e-exclusivo da dupla-aurora, tampouco o relacionamento funcional e dependente do banco de ostras. Nesta fase, torna-se possível o encontro de dois seres inteiros, totalmente desenvolvidos como pessoas. O relacionamento pessoal, explica o filósofo, não tem nenhum outro motivo além do próprio vínculo. Não é baseado em interesses particulares. Não serve a finalidades parciais ou limitadas. Seu valor reside totalmente em si mesmo e, por isso, transcende a todos os outros valores – tudo isso por serem relações de pessoas enquanto pessoas.

Esse novo relacionamento de “pessoas enquanto pessoas”, este amor mais humano, esta concepção de duas solitudes, não acontece facilmente. Deve se desenvolver pouco a pouco, como todo crescimento de raízes sólidas, após o desenvolvimento individual de cada um.

Todo passo é importante, mesmo que seja só uma tentativa. E ainda que raramente alcancemos o ciclo de vida do argonauta, todos nós temos pequenos vislumbres desse ciclo em nossas próprias vidas, mesmo que seja por breves momentos.

A verdadeira vida e suas emoções é intermitente. Como se pode aprender a viver as vazantes da existência? Como se pode aprender a aceitar o vácuo entre duas ondas? Na praia esta aprendizagem é mais fácil, aqui onde a maré baixa, em seu silêncio, revela uma outra vida sob a superfície, diferente daquela que os mortais conseguem ver. Neste momento de suspense cristalino, revela-se de repente o reino secreto do fundo do mar. É aí, nas águas rasas, em meio às ondulações tépidas, que se encontram moluscos raros, cavalos-marinhos, estrelas-do-mar entalhadas no limo e miríades de mariscos coloridos, brilhando na espuma, suas conchas se abrindo e fechando como asas de borboleta. É tão linda a hora silenciosa do refluxo do mar, tão linda quanto a hora do retorno, quando as ondas agitadas se quebram na praia tentando alcançar as cadeias turvas de algas que marcam a última preamar. Cada ciclo da maré é válido, cada ciclo de um relacionamento é válido. O mar vai e volta eternamente.

Anne Morrow Lindbergh

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