A atuação nas organizações carrega consigo uma série de
contradições que se multiplicam em função do desenvolvimento das formas
produtivas da sociedade, que historicamente descaracterizou o componente humano
do trabalho que lhe conferia a condição de agente histórico e de força na luta
pela perpetuação da espécie humana. Atualmente, o trabalho fragmentado em
atividades conjugadas, sob orientação externa ao processo, se caracteriza por
agrupamentos de especialistas em um mesmo espaço fechado regidos pelo desejo
imaginário de realizar trabalho.
A diferença entre o trabalho humano e a atividade dos
animais está na intencionalidade da ação. O resultado do trabalho é fruto do
que já existia enquanto projeto idealizado na concepção do trabalhador. Na
execução, além de transformar a matéria prima, imprime seu desejo idealizado,
submetendo a natureza à sua vontade. Já na atividade animal, as ações são
instintivas e determinadas pela razão biológica dos genes sobre a natureza. Ou
seja, os animais utilizam a natureza e modificam-na pelo fato de sua presença
nela e necessidade dela. O homem, ao contrário, modifica a natureza e a obriga
a servir-lhe, dominando-a. O trabalho ultrapassa a mera atividade instintiva
dos animais podendo ser parcelado e decomposto em atividades que se
complementam. Na natureza não ocorre a delegação de funções, cada pássaro fabrica
seu próprio ninho.
O caráter histórico e de mudança intencional da natureza
faz do homem produto e produtor de tecnologia. Ele cria, inventa e transforma.
O trabalho é a expressão dessa trilogia, é a síntese do saber e do fazer.
Destituído de suas ferramentas para produzir, como vimos
anteriormente, resta ao homem vender a força física para um sistema já
definido, não vende sua capacidade de trabalho, mas sua força para trabalhar
por um determinado período. Neste momento, a transformação do trabalho em força
trabalho remete a ação a uma condição de atividade, assumindo uma
característica repetitiva, onde a concepção preexiste sob a forma de ordens. Ao
vender sua “força trabalho”, o homem assume uma postura contemplativa da
natureza, semelhante a dos animais, transformando a natureza pelo simples fato
de sua presença, negando sua subjetividade. O homem desaparece como agente do
processo de trabalho, sendo absorvido como parte mecanizada de um sistema que
funciona independente da sua vontade, relegado à mera fonte de erros.
O conceito de trabalho se baseia na intencionalidade em
alterar a função das coisas, uma ação objetivada que cria algo e transforma a
natureza. O trabalho é consciente, racional, onde o sujeito decide por sua
atividade, tem o poder de escolha.
O filme Tempos Modernos (nome original: Modern Times,
1936; Charles Chaplin) se passa em meados da década de trinta, após o
surgimento da linha de montagem em série do Ford e da queda da bolsa em 1929, o
“Crack”.
Após a revolução industrial, que resultou na mudança do
sistema feudal para o capitalista, impondo novas regras e normas na sociedade,
que deu início a uma nova ordem mundial, a nova técnica empreendida por Ford em
sua fábrica a linha de montagem em série nos mostra que o ser humano virou uma
engrenagem no meio de tantas outras da máquina. O homem passa a fazer o mesmo
movimento repetidamente, já que ele só tem acesso e função a uma determinada
etapa da montagem, não tem que fazer nada a não ser esperar a peça que vem pela
esteira. Chaplin, em seu filme mostra essa repetição no momento que, mesmo
depois de dar o sinal de parada, continua a repetir os movimentos
incessantemente. Faz crítica a alienação e a escravização, assim como Karl
Marx, já que os operários dependiam da fábrica e esta, quando era desativada,
ou eram mandados embora ou não sabiam o que fazer nem para onde ir.
“A Grande Depressão”, como foi chamada a queda das bolsas
de 1929, gerou uma grande onda de desemprego, suicídios, pobreza, marginalidade
e revolta entre o povo dos Estados Unidos da década de 30. Mostra-nos o quanto
o indivíduo está ligado e sujeito as alterações de sua sociedade, a relação do
indivíduo e a sociedade, a fragilidade do sistema, as transformações.
O personagem de Charles Chaplin, que ficou marcado como o
vagabundo, não foi diferente na vida real. Artista nato, também era visto como
um vagabundo ou comunista, como se ele fosse um inimigo do sistema, que
mecanizava as pessoas e as tratava produtos que produziam, por não se adequar a
expectativa de cidadão bem sucedido e trabalhador, um tipo de homem que
trabalha sem se questionar, come e consume.
O próprio filme já é uma crítica ao desenvolvimento
mecanicista desenfreado, uma vez que nesta época Hollywood já não fazia filmes
mudos, e as cores nos cinemas davam seus primeiros passos.
Outro filme que trata da aborda a questão trabalhista é o
“Fábrica de Loucuras” (nome original: “Gung Ho”, 1986; Ron Howard), onde temos uma
fábrica de automóveis localizada em uma pequena cidade americana, que é
fechada. Logo um pânico generalizado toma conta do lugar, pois a maioria dos
habitantes trabalha na fábrica. Até que o funcionário Hunt Stevenson (Michael Keaton)
vai até Tóquio, na tentativa de convencer os japoneses a assumirem a fábrica. A
missão é um sucesso, mas os problemas e trapalhadas começam a se multiplicar
quando os japoneses insistem em implantar seu sistema de disciplina
mecanicista, através de horários rígidos e exercícios matinais. Como os métodos
de trabalho oriental e ocidental são bem distintos, um choque cultural se torna
inevitável. Poucos estavam preparados para trabalhar em tal organização devido
à cultura em que precede as diretrizes da empresa. Os japoneses administravam
de forma mecanicista, eles a gerenciavam cientificamente melhor, da forma de
fazer o trabalho, a onde se cria um método a ser seguido, visando o aumento da
produtividade e, através da regracidade e de metas pré-estabelecidas, a
padronização das atividades dentro da empresa.
O trabalhador não tem poder de determinar a realização da
atividade, vira padrão para todos os funcionários. A gerência fica responsável
pela realização mais produtiva (o pensar), eficaz e, através da mecanização e
padronização da atividade, controlar o funcionário (que somente executa,
deixando de lado suas capacidades e focalizando a habilidade própria para a
função que lhe foi determinada).
Eles retiram a autonomia de realização das pessoas, que
era a única coisa que restava. O trabalhador não tem a matéria prima, não tem a
máquina e não tem o conhecimento, o que restava pra ele era como realizar a
atividade. Essa automação do processo favorece o erro, e no momento que
simplifico a tarefa, que qualquer pessoa possa fazer, eu reduzo os custos,
tanto na Mão de Obra quanto no produto, e aumento a produtividade. No filme
isso se torna visível no momento que um funcionário sofre um acidente na linha
de produção em virtude da pressão de atingir a meta e de sua função ter se
tornada automatizada, não necessitando pensar para executá-la.
Os funcionários norte-americanos desligaram-se da
empresa. O motivo? Salários baixíssimos e costumes diferentes. Ao longo do
filme é traçado um comparativo entre as características culturais nas empresas
japonesas e norte-americanas, bem como a importação de técnicas tidas como
responsáveis pelos desempenhos espetaculares das empresas japonesas, feito
através de ginásticas nos pátios e estacionamentos, rituais coletivos de culto
a organização, visões, etc.
Diferentemente dos japoneses, que visavam somente a
produtividade e a realização da atividade, sendo que os funcionários são
considerados como peças passíveis de troca, os norte-americanos visam, também,
a produtividade, mas prezam a inserção das pessoas no processo de decisão,
dando-lhes o poder de escolha de como realizar a atividade. É um método baseado
na regra, mas respeitando as particularidades dos trabalhadores. Um exemplo no
filme é no momento em que um funcionário é impedido de sair para acompanhar seu
filho numa operação médica, demonstrando a incapacidade empática dos japoneses,
a preocupação única com o volume produzido.
A humanização pretendida pelo personagem principal não
significa tornar o trabalho bom e nem melhoria das condições ambientais. Não se
deve confundir humanização com diminuição da insatisfação. No filme é colocado
em cheque o sistema “pensar X executar”.
Bruno Alberto Pereira de Sant’Ana, psicólogo na Central do Trabalho RH.
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